Pensei bastante no que Cosmo havia conversado comigo. De repente ele havia se tornado meu guru, meu confidente e conselheiro de segurança. Algo bom no meio desta confusão toda. Nossa amizade acabou surgindo de forma natural e ele estava fazendo do possível para me convencer a fazer o que era certo.
Assim que acordamos Neandro chamou Alexis para ir ao castelo. Acabei automaticamente sendo convidada por Alexis para acompanhar-los e Nicardo se auto convidou para me acompanhar. Estava claro que Nicardo não confiava em mim sozinha com Alexis. Não preciso dizer que Alexis não gostou nada, mas relevou.
Tomamos o café rapidamente. Não sabia quais seriam os próximos passos do Rei Céleo agora que recuperei a memória e o Alexis. Talvez os planos agora fossem outros. Ou talvez apenas precisássemos acelerar o que já havíamos combinado – e isso significa resgatar Camila, Levinda e Layla.
Era estranho como sempre havia cavalos por perto quando precisamos deles. Neandro contou que vários cavalos do castelo foram trazidos para lá, caso fosse necessário. Sem dúvida eles eram necessários. Pegamos os cavalos e seguimos direto para o castelo.
As ruas estavam cheias de guardas – mais do que da outra vez em que estive no castelo. Estavam todos vigiando alguma coisa e pareciam bem atentos a seja lá o que for. Pensei em perguntar o que estava acontecendo, mas acabei desistindo. Não era algo que estava interessada naquele momento.
Assim que entramos na sala do rei, uma grande expressão de surpresa e felicidade dominou o rosto do Rei Céleo. Provavelmente a surpresa era o Alexis. Rei Céleo se levantou e foi no mesmo instante abraçar Alexis.
– Mas... Vocês conseguiram! – Rei Céleo estava realmente surpreso – Eu nem sei o que dizer.
– Foi tudo graças a Beatriz! – Alexis sorriu – Eu devo tudo a ela! – Alexis alfinetou Nicardo com um olhar.
– O que tinhas na cabeça seu irresponsável? – Rei Céleo mudou suas expressões – Sabes o risco que correu? Como pode...
– Papai! – Alexis também ficou sério – Eu fiz isso pela mamãe. Eu poderia ter achado...
– Não! – Rei Céleo quem interrompeu – Você foi muito irresponsável!
– Mas era a mamãe! – Alexis tentava se explicar.
– Eu sei o quanto você quer achar a Alina – Rei Céleo se acalmou – mas não é desta forma que você vai conseguir.
– Então é de que forma? – Alexis ficou nervoso – Conte-me?
O silêncio chegou ao ponto do insuportável antes que alguém desse qualquer resposta. Alexis encarava o pai, que não sabia o que dizer.
– Eu não quero que corra riscos. – Rei Céleo respirou fundo.
– Mas do que adianta ficar a salvo? – Alexis tentava não se irritar – O que adianta me manter preso e deixar a mamãe a mercê da sua própria sorte? Eu não sou mais aquele garoto que sentava em seu colo e puxava sua barba, eu já sou um homem!
– Então pare de agir feito criança! – Rei Céleo se sentou – Você não deve agir desta forma impulsiva. Compreendo que é frustrante saber que Alina está em algum lugar, esperando nossa ajuda, mas do que adiantará se algo acontecer a você? Precisamos fazer as coisas com calma. Pensar antes de agir. Não podemos arriscar perder ninguém.
– Eu entendo. – Alexis baixou a cabeça – Mas não concordo. Eu não irei desistir de procurar a mamãe. Eu irei atrás dela com ou sem o seu consentimento! Se me dão licença, eu já acabei.
Alexis saiu da sala e eu tentei ir atrás dele, mas alguém me segurou pelo braço. Nicardo.
– É melhor deixar-lo um pouco só. – Neandro colocou a mão em meu ombro.
– Existe algo que ainda não me contarão? – Rei Céleo perguntou por perguntar.
– Sim! – Neandro deu alguns passos a frente – A Beatriz recuperou a memória!
– Mas isso é maravilhoso! – Rei Céleo sorriu – Como está se sentindo?
– Bem melhor! – respondi.
– Quando me contaram que você havia fugido para resgatar Alexis eu desconfiei, mas ter a confirmação é sempre diferente. É definitivo!
– Não sei se é o melhor momento, mas gostaria de saber como ficaria o nosso plano de resgate agora. – não queria falar sobre isso naquele momento, mas temia não ter outra oportunidade – Eu já sei me defender sozinha e sei que os demais também não iriam ter problemas.
– Ainda acho arriscado. – Rei Céleo fez uma cara de desaprovação – Quanto menos você se expor, melhor. Acho que devemos continuar com o plano original e esperar o melhor momento para resgatar-las.
– Não sei se realmente é melhor seguir o plano. – tentei não parecer desrespeitosa – Eu sei que posso conseguir entrar e sair do castelo de Calidora sem ser percebida.
– O que existe na geração de hoje que não sabem esperar? – Rei Céleo levantou as mãos até a altura do queixo e olho para cima.
– Tudo bem. Eu espero. – realmente meu timing foi terrível. Não era o momento para aquela conversa. – Acho que é tudo. Com licença.
Sai da sala do rei e Nicardo veio atrás de mim. Ele parecia nervoso e desconfiado. Eu deveria estar torturando demais o Nicardo. Ele não é burro e já deve ter percebido que menti pra ele.
Antes mesmo que pudesse dar um passa para fora da sala, Alexis entrou em minha frente. Nicardo o fitou e ele devolveu o olhar como se tivessem trocando bolas de canhão.
– Posso conversar com você? – Alexis segurava minha mão, mas fitava Nicardo – Em particular.
– C-c-claro! – estava sem jeito.
Alexis não me tirou do campo de visão de Nicardo, apenas me levou para um pouco mais longe, perto da grande escadaria que fica em cima da porta da sala do rei.
– Você ainda não contou a ele por quê? – Alexis foi direto.
– Eu ainda não tive coragem! - fui sincera.
– Coragem? – ele sorriu debochadamente – Você precisa de coragem para terminar com ele?
– Eu não quero magoar-lo. – fitei o chão.
– Ótima troca, deixa o outro feliz e me crava uma faca no coração. – Alexis não quis olhar para mim – Quem você acha que te ama mais? Eu ou o Nicardo?
– Alexis... – tentei falar. – Eu reconheço tudo o que ele fez e, honestamente, fico agradecido por ter cuidado tão bem de você, mas ele não te ama igual eu te amo!
– Como pode ter tanta certeza? – tentei não parecer grossa.
– Porque amor igual ao meu você nunca irá encontrar. – Alexis segurou meus ombros – Apenas eu posso te amar deste jeito!
– Alexis, por favor... – tirei as mãos dele dos meus ombros.
– Eu devia ter desconfiado! – Alexis socou a parede de leve – Vai ser igual da outra vez. Eu sonhando sozinho. Nosso amor sempre foi mais meu do que seu. Quer dizer, acho que nunca ouve um nosso de verdade.
– Mas você nunca fez nada! – estava quase chorando – Você demorou demais para tentar e quando tentou, eu já estava dividida.
– Então você ainda está dividida? – novamente ele não quis olhar em meus olhos.
– Não! – falei um pouco alto demais – Eu sei que te amo e sei que é com você que eu quero passar o resto da minha vida, mas... Alexis, me de um tempo para eu arrumar as coisas do meu jeito?
– Uma semana! – ele ficou serio – É tudo o que eu posso te dar.
– Tudo bem, eu aceito. – baixei a cabeça e fechei os olhos.
– Mas se não fizer nada em até uma semana...
Alexis subiu deixando o restante da “ameaça” o ar. Eu estava perdida. Talvez eu devesse simplesmente falar, da melhor forma possível e esperar que Nicardo não me odeie pelo resto da vida. Ou talvez fosse melhor preparar o terreno antes de dizer, mesmo que ele já desconfie, como disse o Rei Céleo “ter a confirmação é sempre diferente.”
– Nicardo... Eu preciso falar com você! – tentei não olhar em seus olhos.
– O que vocês dois conversaram? – ele estava nervoso – Você não vai quebrar sua promessa vai?
– Nicardo, ao fale assim! – fiquei sem jeito.
– Beatriz, você sabe, ninguém vai te amar como eu te amo. Ninguém! – Nicardo me abraçou e toda a coragem que havia juntado se dissipou naquele abraço.
Coragem é uma coisa muito difícil de se ter quando se trata dos sentimentos de outra pessoa. Ainda mais quando essa outra pessoa é alguém que você ama. E quando você sabe que não existe outra forma além de machucar aquele que você ama, a coragem vira uma palavra desconhecida em seu dicionário.
Não imaginei que um dia fosse sofrer tanto para tomar uma decisão da qual eu sei que não irei me arrepender. Tudo o que eu queria ouvir do Alexis eu estava ouvindo. Ele estava apaixonado por mim e eu loucamente apaixonada por ele. Nossas vidas seriam maravilhosas e cheias de felicidade, eu não tenho dúvida, mas e o Nicardo? Eu não conseguiria ser plenamente feliz sabendo que o Nicardo não era plenamente feliz por minha culpa. Esse é um peso que nunca conseguiria carregar.
Neandro continuou na sala do pai e não voltou com a gente. Seguimos vagarosamente pelas ruas lotadas de guardas de volta para a casa de Neandro e Linfa.
Os guardas continuavam vigiando alguma coisa e desta vez fiquei um pouco mais interessada. Fitei o céu, mas não vi absolutamente nada. Tentei e tentei e tudo o que via era o céu azul e pássaros voando, livres e felizes. Às vezes eu gostaria de ser um pássaro, acho que eles não tem problemas sentimentais.
Vendo os pássaros voando, uma nova injeção de coragem fluiu em mim. Eu não podia prolongar por muito mais tempo, até porque eu não tinha muito tempo. Sentia-me péssima em enganar o Nicardo de forma tão descarada e ainda continuar com isso mesmo vendo que ele está percebendo que alguma coisa mudou de verdade entre nós.
– Nicardo, eu quero contar algo para você! – disse baixo – Não queria que fosse aqui, no meio da rua, mas não disser agora talvez não consiga dizer depois.
– Beatriz – o rosto de Nicardo ficou branco – O que você quer falar?
De repente, no céu por detrás de Nicardo, eu vi uma mancha negra se aproximando e tirando minha atenção. Mas aquilo era...
– Um cavalo voador? – falei alto.
– O que? – Nicardo se virou.
– Cavalo espião! – um dos guardas gritou – Todos preparados! Assim que ele se aproximar!
– O que está acontecendo? – perguntei, mas não tive resposta. O cavalo se aproximava.
De longe o cavalo parecia normal – apesar das asas – mas quando desceu ao chão tive uma grande surpresa. Uma grande e péssima surpresa.
O cavalo tinha no mínimo uns 3 metros de altura. Ele andava pela rua lotada e passava por cima das casas, mas nada acontecia. Era como se o cavalo fosse feito de sombra.
Os guardas começaram a atirar flechas no cavalo, mas todas passavam por ele ou se desfaziam quando tocavam nele. O cavalo relinchava e batia com o casco no chão. Grandes nuvens de fumaça saiam de suas narinas e seus olhos eram de um vermelho vivo que fazia contraste com a cor preta de seu pelo.
Apesar de não haver nada alem de um brilho vermelho nos olhos, senti que o cavalo olhava para mim. Era como se estivesse me procurando e eu já sabia exatamente que havia enviado.
Mais guardas apareceram inutilmente e continuaram tentando desesperados derrotar o cavalo, mas nada acontecia. Era uma perda de tempo.
– Nicardo, eu sei o que fazer! – gritei.
– Do que você está falando? – Nicardo ficou assustado.
– Eu acho que sei como derrotar esse cavalo! – voei até a altura da cabeça do bicho.
– O que você pretende fazer? – Nicardo gritou.
– Você verá! – gritei respondendo.
Respirei fundo e me concentrei. Tentei juntar o máximo de ar que consegui e senti uma grande pressão se juntando em minhas mãos. Logo uma grande bola invisível de ar começou a se formar. Só consegui identificar o que era porque vários gravetos e folhas se juntaram a bola e rodopiavam em uma velocidade impressionante. O cavalo negro me fitou furioso. Ele parecia saber o que eu pretendia fazer e não estava gostando nada disso, mas por algum motivo não podia fugir. Era com se estivesse preso ou paralisado.
A bola de ar continuou crescendo e pequenos raios começaram a nascer dela. Esses raios soltavam pequenas faíscas de fogo, que queimavam as folhas e galhos. Não demorou muito para eu ter uma grande bola de ar e fogo em minhas mãos. Aquela era a hora.
Olhei nos olhos do cavalo. O vermelho vivo parecia estar brilhando mais que deveria e as expressões do cavalo pareciam desesperadas. Juntei as mãos e dei um forte assopro na bola de fogo e ar.
Uma grande rajada de vento e fogo envolveram o cavalo que começou a ser consumido e sumindo junto com o fogo. Seus olhos vermelhos saltaram para fora e rapidamente atirei duas pequenas bolas de fogo para destruir-las. Desci até o chão exausta.
– O que era aquilo? – perguntei ofegante.
– Era um cavalo espião! – um dos guardas respondeu – Bianor vem usado vários para saber o que anda acontecendo por aqui, mas antes ele costumava esconder melhor.
– E esse... – outro guarda começou a falar apavorado – Sem dúvida não era igual aos outros que apareceram. Esse parecia ser feito de sombras.
– Beatriz! – Nicardo se assustou – Você não pode ficar se expondo deste jeito! Se esse espião tivesse levado a informação de que você está aqui?
– Mas eu já recuperei a memória! – estava confusa – Por que estou tão exausta?
– Você recuperou a memória, mas não se tornou invencível! – Nicardo sorriu – A magia que você usou é poderosa demais. Ainda não sei como conseguiu executar-la. Seu corpo ainda não está preparado para esse tipo de magia.
– Mas desta vez eu não desmaiei! – sorri.
– Não, você não desmaiou! – Nicardo também sorriu – Mas deixa que eu te levo no colo. Você não pode ficar se cansado demais.
– Nicardo! – falei alto – Estamos ainda muito longe.
– E o quê que tem? – ele sorriu.
– Você vai acabar se cansando!
– Não muito. – ele me pegou no colo – Você precisa descansar muito mais que eu neste momento.
– Nicardo! – acabei desistindo.
– O que você ia dizer mesmo? – Nicardo perguntou.
– Esquece! – respondi.
O que Nicardo estava fazendo era golpe baixo. Joguinhos emocionais justo no momento em que estou mais vulnerável? Ele realmente estava jogando sujo! Mas por que, ainda assim, eu não conseguia falar com ele?
No fim talvez tenha sido bom. Seria horrível terminar com ele ali, no meio da rua. Isso seria cruel demais para o meu jeito de agir. Era melhor esperar que chegássemos à casa da Linfa para dizer a ele tudo o que estava acontecendo comigo e que tudo havia mudado e nós não poderíamos mais ficar juntos. Aos poucos isso não parecia mais tão difícil de se fazer.